China acena com acordo de livre comércio com Mercosul

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China acena com acordo de livre comércio com Mercosul

A China se diz pronta a negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul ou separadamente com qualquer sócio do bloco. É um tema de impacto quedificilmente ficará de fora na visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planejarfazer à China proximamente.
Durante o 20º Congresso do Partido Comunista chinês, em outubro, relatórioapresentado pelo presidente Xi Jinping destacou a estratégia chinesa de buscar“maior integração na cadeia industrial global e na cadeia de fornecimento e(continuar) a promover a liberalização e a facilitação do comércio e dosinvestimentos”. Para isso, o país continuará a negociar “acordos de livre comércio de alto padrão” com seus parceiros comerciais. “Em resumo, a porta de abertura da China para o mundo estará se abrindo cada vez mais. Isto certamente criará mais oportunidades para seu desenvolvimento próprio e para o resto do mundo.”

No fim de novembro, durante o exame da política comercial do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), o embaixador chinês Li Chenggang observou que o Brasil concluiu vários acordos de livre comércio e renovou ou iniciou novas negociações, e deu a mensagem de Pequim: “A China acredita que é fundamental melhorar a integração regional do Brasil e a diversificação das exportações. Nesse sentido, a China encoraja o Brasil a desempenhar um papel ativo na expansão da rede de acordos regionais de comércio do Mercosul com os principais parceiros comerciais.” E logo lembrou que a China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, o maior mercado para as exportações brasileiras,fonte grande de importações para o Brasil e contribui fortemente no superavit comercial brasileiro.
Indagado pelo Valor sobre aprofundar o discurso do embaixador, o Ministério de Comércio chinês (Mofcom) respondeu sem rodeios: “Isso significa que a China está disposta a negociar um acordo de livre comércio (ALC) com o Mercosul como um todo ou um ALC com qualquer membro do Mercosul.”
Pequim já tem 22 acordos de livre comércio concluídos, por exemplo com Chile e Peru na América do Sul, além de 10 em negociação e oito “em consideração”, como com a Colômbia. Também fez estudo de viabilidade de acordo com o Uruguai, o quena prática causaria desmonte do Mercosul como união aduaneira.Diplomaticamente, para Pequim seria melhor negociar com o Mercosul como umtodo. Mas confirma o plano B para negociar em separado.
O governo de Jair Bolsonaro nunca escondeu o ceticismo e a pouca simpatia pelo Mercosul. Já o governo Lula sinaliza a importância não apenas econômica, mas política e estratégica do bloco. A reação ao plano de Pequim será certamente diferente.
A discussão torna-se menos defensiva em relação à China. A diplomata eeconomista Tatiana Rosito elaborou documento nesse sentido sobre “Bases parauma estratégia de longo prazo do Brasil para a China”, a pedido do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), em 2020.

Tatiana é agora a nova secretária de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério da Fazenda.
No documento ela nota que, pelos impactos esperados, há caminho a ser percorrido pelo Brasil (e os parceiros do Mercosul) nas negociações de acordos internacionais antes de tratar o livre-comércio com a China, “mas esse tema não deve ser tabu e deve ser crescentemente considerado mediante uma abordagem que possa levar o Brasil e os diferentes setores da economia brasileira a debruçar-se sobre ganhos eperdas de um maior comércio com a China”.
Ela cita estudo do Ipea, de “Avaliação dos Impactos sobre a Economia Brasileira deu m Acordo de Livre Comércio do Brasil com a China”, de 2019, que aponta“resultados inequivocamente positivos para a economia brasileira, com ganhos de PIB, investimento, exportações e importações. O saldo comercial seria um pouco pior, mas haveria uma redução significativa do nível de preços agregado e um aumento do grau de abertura da economia”.
“O fato de que a abertura com a China promoveria grandes ganhos de exportação mesmo em setores ‘inesperados’ é um resultado de grande relevância”, diz o estudo,ressalvando que as perdas de produção e emprego em alguns setores exigemdebate sobre o tema.
O estudo utiliza um modelo de equilíbrio geral que causa ceticismo. Não é por causa de tarifas que o Brasil não exporta outros produtos, fora da lista de commodities,para a China, mas sim por não ter competitividade, escala ou eficiência para atender ao gigantesco mercado chinês.
“Não conheço nenhum segmento [no Brasil] que, primeiro, tenha produção suficiente, e segundo, que tenha o apetite para assumir o risco de aumentar os negócios num mercado daquele tamanho. A China não é um mercado para vender excedentes, os distribuidores não têm interesse em pequenos volumes”, diz MarcosCaramuru, ex-embaixador do Brasil na China (2016-2018), sócio da consultoria Kemu e um dos maiores especialistas em China.
Quando Lula levantar em Pequim a recorrente queixa de falta de diversificação dasvendas brasileiras ao mercado chinês, a resposta virá certamente para discutir acordo.

Para Renato da Fonseca, superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI,não é preciso começar com acordo de livre comércio. Ele sugere como pontapé inicial um acordo de facilitação de comércio.

 

Por Assis Moreira
Valor Econômico 09/01/2023